Uma Análise das Patentes Brasileiras Concedidas nas Últimas Décadas: Foco na Área da Saúde.
Apesar do potencial em áreas como saúde, agronegócio e biodiversidade, o Brasil ainda apresenta baixo desempenho em patentes, especialmente no cenário internacional. O texto analisa dados recentes, destaca instituições de referência e discute entraves legais, burocráticos e de financiamento que limitam a inovação tecnológica no país.
Sara Tolouei, PhD; Fabiana C. V. Giusti, PhD e João B. Calixto, PhD
5/7/20258 min read


A inovação tecnológica é um dos pilares do desenvolvimento econômico e social no mundo contemporâneo. Uma das formas de medir o avanço tecnológico de um país ou instituição - embora não seja a melhor - é por meio do número de patentes registradas, que reflete a capacidade de pesquisa, desenvolvimento e aplicação de novas tecnologias. No cenário global, o setor farmacêutico destaca-se como o que mais investe em pesquisa e desenvolvimento (P&D), direcionando cerca de 15% de seu faturamento para inovações. Grandes empresas farmacêuticas e startups de biotecnologia dedicam tempo além de recursos significativos na busca de patentes, pois elas representam um mecanismo essencial de proteção intelectual e garantia de retorno financeiro sobre os investimentos realizados.
O desenvolvimento de novos medicamentos é um processo complexo, demorado e dispendioso e de elevado risco, envolvendo pesquisa básica, ensaios pré-clínicos e clínicos rigorosos, além de aprovações regulatórias. As patentes concedem aos detentores o direito exclusivo de explorar comercialmente a inovação por um período determinado, geralmente 20 anos, o que permite recuperar os custos de desenvolvimento e eventualmente obter lucro. Além disso, elas incentivam a inovação ao proteger as empresas da concorrência direta, criando um ambiente favorável para investimentos em P&D. Para as empresas startups de biotecnologia, as patentes também são cruciais para atrair investidores e parceiros estratégicos, pois demonstram a viabilidade e o potencial comercial da tecnologia ou medicamento desenvolvido.
No entanto, o Brasil apresenta um desempenho modesto e muito preocupante em termos de aprovação de patentes, especialmente quando comparado a países inovadores. Em 2017, a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (WIPO) divulgou seu anuário estatístico, informando que mais de 3 milhões de pedidos de patentes foram solicitados no mundo naquele ano. A China liderou o ranking, com 1,38 milhão de pedidos, seguida pelos Estados Unidos (606 mil), Japão (318 mil), Coreia do Sul (204 mil) e União Europeia (166 mil). O Brasil ocupou a 11ª posição, com 25 mil depósitos de patente. É importante destacar que cerca de 75% desses pedidos depositados no Brasil foram feitos por depositantes estrangeiros (não residentes), restando apenas 25% para depositantes nacionais.
Quando analisamos o número de patentes internacionais (PCT - Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes) - o cenário torna-se ainda mais preocupante: em 2017 o Brasil depositou apenas 589 pedidos, enquanto os Estados Unidos registraram 56.680 e a China, 48.900. Países com populações menores, como Israel (1.817), Finlândia (1.601), Dinamarca (1.429) e Cingapura (867), também superaram o Brasil.
Ao analisar um período mais amplo (1973 a 2023), a fragilidade do Brasil em termos de patentes concedidas internacionalmente torna-se mais preocupante. Os dados apresentados na tabela 1 demonstram que quando comparado aos 19 países mais inovadores, o Brasil pouco evoluiu nas últimas cinco décadas. A diferença é especialmente marcante quando comparado a China e Estados Unidos, que possuem mais de cem vezes o número de patentes do Brasil (50.000 no período analisado). Mesmo em comparação com países europeus e com Israel, que têm populações menores, a distância permanece significativa.


Tabela 1
Os valores apresentados na tabela são aproximados.
Áreas de Destaque no Cenário de Patentes Brasileiras
O Brasil tem demonstrado avanços em diversas áreas de inovação, com destaque para setores estratégicos que contribuem para o desenvolvimento econômico e tecnológico do país. As principais áreas de destaque incluem:
Agronegócio: Liderado pela Embrapa, o setor tem se destacado no desenvolvimento de tecnologias de cultivo, controle de pragas e biotecnologia, consolidando-se como um dos pilares da economia brasileira.
Energia: Patentes relacionadas a fontes renováveis, como etanol, biodiesel e energia solar, têm crescido significativamente nas últimas décadas, refletindo o potencial do Brasil na transição para uma matriz energética mais sustentável.
Saúde e Biotecnologia: Instituições como a Fiocruz e a Universidade de São Paulo (USP) lideram em patentes relacionadas a medicamentos, vacinas e equipamentos médicos, contribuindo para o avanço da saúde pública e da pesquisa científica.
Tecnologia da Informação: Embora ainda incipiente, o setor de TI tem mostrado crescimento, especialmente em software e hardware, indicando um potencial promissor para a inovação tecnológica no país.
Instituições Brasileiras com Maior Número de Patentes no Exterior
As instituições brasileiras que mais se destacam no registro de patentes no exterior são:
Embrapa: Líder em patentes relacionadas ao agronegócio, com foco em tecnologias agrícolas e biotecnologia.
Universidade de São Paulo (USP): A maior universidade em produção de patentes no país, com destaque para pesquisas em saúde e biotecnologia.
Petrobras: Destaque em patentes relacionadas a energia e petróleo, especialmente em tecnologias de exploração e refino.
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz): Com foco em patentes relacionadas à saúde, medicamentos e vacinas, a Fiocruz é uma das principais instituições de pesquisa na área biomédica.
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp): Reconhecida por suas patentes em tecnologia e engenharia, a Unicamp tem contribuído significativamente para a inovação no setor industrial.
Patentes Depositadas no INPI sobre Biodiversidade
O Brasil, por ser um dos países mais biodiversos do mundo, possui um enorme potencial para inovações relacionadas à biodiversidade. Nos últimos anos, o país tem buscado transformar esse potencial em patentes, especialmente em áreas como biotecnologia, fármacos, cosméticos e agricultura. No entanto, o aproveitamento econômico e tecnológico da biodiversidade ainda é modesto e enfrenta desafios significativos.
Nas últimas duas décadas, houve um aumento no número de patentes relacionadas à biodiversidade no Brasil, impulsionado principalmente por pesquisas em biotecnologia e pelo uso sustentável de recursos naturais. Segundo o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), o número de patentes concedidas em áreas como biotecnologia, fármacos derivados de plantas e processos sustentáveis cresceu cerca de 40% entre 2003 e 2023. As áreas de maior destaque são:
Biotecnologia: Patentes relacionadas ao uso de microrganismos, enzimas e técnicas de engenharia genética para aplicações industriais e agrícolas.
Fármacos: Desenvolvimento de medicamentos a partir de compostos extraídos de plantas e animais da biodiversidade brasileira.
Cosméticos: Inovações em produtos de beleza e higiene com base em ativos naturais, como óleos essenciais e extratos vegetais.
Agricultura Sustentável: Patentes relacionadas ao controle biológico de pragas, biofertilizantes e técnicas de cultivo que preservam a biodiversidade.
Desafios a Serem Superados
Apesar do potencial, o aproveitamento econômico e tecnológico da biodiversidade brasileira, a área ainda enfrenta desafios significativos:
Acesso e Repartição de Benefícios: A legislação brasileira, por meio da Lei nº 13.123/2015 (Marco Legal da Biodiversidade), estabelece regras para o acesso ao patrimônio genético e à repartição de benefícios com comunidades tradicionais. No entanto, a complexidade e os entraves burocráticos dessas normas têm sido um obstáculo que preocupam pesquisadores e empresas.
Proteção do Conhecimento Tradicional: Muitas inovações baseadas na biodiversidade estão associadas ao conhecimento tradicional de comunidades indígenas e locais. A proteção desse conhecimento e a garantia de sua repartição justa ainda são desafios significativos a serem vencidos.
Infraestrutura e Financiamento: Apesar do potencial, o investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) na área da biodiversidade ainda é insuficiente, limitando a geração de patentes de alto impacto.
Crescimento dos Pedidos de Patentes no INPI na Área de Biodiversidade relacionada a Fármaco
Um levantamento realizado junto ao INPI no período entre 1996 e 2021 por Oliveira e Nogueira (2024) demonstrou que, nesse período, foram depositados 1.055 pedidos de patente na área de biodiversidade relacionados a fármacos. Desse total, 459 eram depósitos de residentes e 596 de não residentes. Do total, 263 pedidos de patente foram indeferidos, arquivados ou extintos, 308 foram concedidos e 484 estavam em análise.
Os dados da Tabela 2 demonstram que várias universidades e institutos de pesquisa, especialmente do Nordeste brasileiro, se destacam nos pedidos de patentes junto ao INPI.


Tabela 2
Considerando que muitas patentes não foram aprovadas e outras foram extintas nas últimas décadas, é imperativo que os órgãos federais e estaduais que financiam a pesquisa científica e tecnológica no Brasil, como CNPq, FINEP, CAPES e as Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (FAPs), solicitem aos pesquisadores que atualizem seus currículos Lattes para informar quais patentes foram, de fato, aprovadas. O que se observa, por uma rápida análise dos currículos de pesquisadores bolsistas de produtividade em pesquisa ou produtividade tecnológica do CNPq, é que muitos pesquisadores relacionam "patentes" no INPI sem, no entanto, mencionar se são apenas pedidos ou se foram patentes concedidas. Essa distorção pode prejudicar a análise e o julgamento de projetos de pesquisa e inovação para concessão de auxílios e bolsas aos pesquisadores brasileiros.
Considerações finais
A análise das patentes brasileiras concedidas nas últimas décadas, com foco na área da saúde, revela um cenário de contrastes. Por um lado, o Brasil demonstra potencial significativo em setores estratégicos como saúde, biodiversidade e agronegócio, com instituições de destaque como a Fiocruz, a USP e a Embrapa liderando a produção de patentes nacionais. O crescimento de pedidos de patentes relacionadas à biodiversidade, especialmente em biotecnologia, fármacos e agricultura sustentável junto ao INPI, reflete a riqueza natural do país e o esforço para transformá-la em inovação tecnológica. No entanto, o desempenho geral do Brasil em termos de patentes internacionais ainda é muito modesto e mesmo preocupante, especialmente quando comparado a países líderes em inovação, como China, Estados Unidos e nações europeias.
A predominância de pedidos de patentes feitos por depositantes estrangeiros no Brasil, somada ao baixo número de patentes internacionais (PCT) depositadas por brasileiros, evidencia a urgente necessidade de políticas públicas mais eficazes para fomentar a inovação tecnológica nacional. A burocracia, a falta de financiamento adequado em pesquisa e desenvolvimento (P&D), os entraves legais relacionados ao acesso à biodiversidade e a proteção do conhecimento tradicional são apenas alguns desafios que precisam ser superados para que o país possa aproveitar plenamente seu potencial inovador.
Além disso, é fundamental que os órgãos de fomento à pesquisa, como CNPq, FINEP, CAPES e as FAPs, adotem medidas para garantir que os pesquisadores atualizem seus CVs Lattes, para informar se, de fato, as patentes solicitadas junto ao INPI foram ou não concedidas. Essa iniciativa permitiria uma avaliação mais precisa do impacto da pesquisa brasileira e uma alocação mais eficiente de recursos, contribuindo para o fortalecimento do ecossistema de inovação no país.
Em síntese, embora o Brasil possua um enorme potencial para se destacar no cenário global de inovação tecnológica, especialmente na área da saúde, o país ainda necessita superar desafios estruturais e burocráticos que limitam seu avanço. Com investimentos estratégicos, políticas públicas adequadas e maior integração entre academia, setor privado e governo, o país pode transformar seu potencial em resultados concretos, consolidando-se como um player relevante no cenário internacional de patentes e inovação tecnológica.
Referências consultadas
Estudos sobre patentes em saúde e biotecnologia. Fiocruz https://www.fiocruz.br
Indicadores Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Dados históricos sobre patentes e inovação no Brasil. https://www.mctic.gov.br
Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) https://www.gov.br/inpi
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). Dados sobre investimentos em P&D e produção de patentes. https://www.gov.br/mcti
de Oliveira, Ana Claudia Dias . Monitoramento de patentes como fonte de informações estratégicas sobre medicamentos com matéria-prima da biodiversidade. Revista Fitos. Rio de Janeiro. 2024; Supl(1): 25-30, www.revistafitos.far.fiocruz.br. https://doi.org/10.32712/2446-4775.2023.1521
Relatórios sobre patentes em agronegócio e biotecnologia. Embrapa https://www.embrapa.br
Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) https://www.wipo.int
World Intellectual Property Indicators 2018 https://link.springer.com/content/pdf/10.1007/s10787-025-01698 x?utm_source=springer_etoc&utm_medium=email&utm_campaign=CONR_10787_AWA1_GL_DTEC_054CI_TOC-180325&utm_content=etoc_springer_20250318
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