Pesquisa translacional: como o conhecimento gerado na ciência básica chega ao paciente
Você sabia que muitas descobertas científicas nunca chegam aos pacientes? A pesquisa translacional busca mudar esse cenário, transformando avanços de laboratório em tratamentos reais, de forma mais rápida e eficiente. Nesta edição, vamos mostrar como essa abordagem vem revolucionando a medicina, os países que lideram essa corrida, histórias de sucesso e os obstáculos que ainda precisam ser superados.
Fabiana C. V. Giusti, PhD; Sara Tolouei, PhD e João B. Calixto, PhD
8/15/20255 min read


A pesquisa translacional é um campo da ciência que busca transformar descobertas científicas obtidas em ambientes laboratoriais, estudos pré-clínicos ou de ciência básica em aplicações clínicas concretas, como novos diagnósticos, tratamentos, medicamentos e estratégias de prevenção de doenças. Mais especificamente, ela faz uma ponte entre a ciência básica e a prática clínica, promovendo um ciclo contínuo de retroalimentação entre a pesquisa básica e a aplicação clínica.
Essa abordagem visa acelerar o processo de inovação em saúde, reduzindo o tempo entre uma descoberta científica na ciência básica e sua aplicação prática. Além disso, também contempla a tradução inversa, na qual observações clínicas geram novas perguntas e hipóteses a serem investigadas em ambientes laboratoriais. A pesquisa translacional é, portanto, bidirecional e colaborativa, unindo diversas áreas do conhecimento.
Origem do conceito
O termo pesquisa translacional começou a ganhar relevância na década de 1990, embora a prática de integrar pesquisa básica com aplicações clínicas seja anterior. O conceito foi impulsionado principalmente por iniciativas nos Estados Unidos, particularmente com o National Institutes of Health (NIH), que reconheceu a necessidade de acelerar a transição da pesquisa básica para a clínica e de superar o que ficou conhecido como os “vales da morte” (critical gaps, em que muitas descobertas falham em se transformar em terapias).
A partir dos anos 2000, o NIH estruturou programas como o Clinical and Translational Science Awards (CTSA), com o objetivo de propiciar uma infraestrutura integrada para a pesquisa translacional em instituições acadêmicas norte-americanas. Desde então, o conceito se expandiu globalmente, sendo incorporado em políticas públicas de saúde e no planejamento estratégico de universidades e centros de pesquisa em vários países.
A necessidade de grupos interdisciplinares
Um dos pilares da pesquisa translacional é o trabalho em grupos interdisciplinares, que congregam cientistas de diferentes especialidades, incluindo profissionais das diversas áreas do conhecimento, pacientes e representantes da indústria. Essa diversidade de competências permite abordar e solucionar problemas complexos sob múltiplas perspectivas, facilitando a identificação de soluções viáveis, seguras e aplicáveis.
Por exemplo, o desenvolvimento de um novo medicamento envolve químicos medicinais, farmacologistas, toxicologistas, bioquímicos, biólogos moleculares, médicos, estatísticos, especialistas em saúde pública, reguladores, bioeticistas e economistas, entre muitos outros profissionais. Da mesma forma, tecnologias emergentes em saúde, como as terapias avançadas ou plataformas digitais de monitoramento, requerem a colaboração entre áreas como biologia molecular, ciência de dados, inteligência artificial, engenharia biomédica e ciências sociais.
A colaboração interdisciplinar também é essencial para enfrentar desafios éticos, regulatórios e de implementação em larga escala, especialmente em sistemas de saúde públicos. Assim, o sucesso da pesquisa translacional depende da articulação eficiente entre diferentes disciplinas.
Exemplos relevantes de pesquisa translacional
Diversos avanços recentes em saúde humana foram possíveis graças à pesquisa translacional. Alguns exemplos:
· Vacinas de mRNA contra a COVID-19 – O desenvolvimento rápido das vacinas da Pfizer-BioNTech e Moderna foi possível devido à experiência acumulada em décadas de pesquisa básica em RNA mensageiro, nanopartículas lipídicas e imunologia. O esforço conjunto entre cientistas acadêmicos, indústria farmacêutica e agências reguladoras exemplifica a eficácia da pesquisa translacional;
· Terapias celulares para câncer (CAR-T cells) – A imunoterapia baseada em células T geneticamente modificadas para atacar células tumorais é um marco na oncologia. A tecnologia originou-se de estudos envolvendo ciência básica em imunologia e engenharia genética, passando por testes clínicos até alcançar aprovação regulatória;
· Testes genéticos para doenças raras – O uso da genômica para diagnóstico precoce de doenças hereditárias raras, como a fibrose cística ou distrofias musculares, é outro exemplo de pesquisa translacional com impacto direto na qualidade de vida dos pacientes;
· Tecnologias vestíveis e dispositivos de monitoramento remoto – Avanços em sensores, conectividade e inteligência artificial estão permitindo o acompanhamento contínuo de parâmetros clínicos em pacientes com doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, promovendo intervenções personalizadas e mais eficazes.
Países mais avançados em pesquisa translacional
Alguns países vêm se destacando por criar ambientes propícios à pesquisa translacional, tanto em termos de financiamento quanto de infraestrutura e regulação. Entre os mais avançados, destacam-se:
· Estados Unidos – É o país com maior investimento em pesquisa biomédica e translacional. A estruturação dos centros do NIH e de instituições como o MD Anderson Cancer Center, Mayo Clinic, Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Scripps Research Institute, Dana-Farber Cancer Center e universidades como Harvard, Stanford, Califórnia e Johns Hopkins, entre outras exercem papel relevante nesse contexto;
· Reino Unido – O governo britânico tem apoiado intensamente a integração entre universidades, hospitais e indústria, utilizando estruturas como os Biomedical Research Centres (BRCs), ligados ao National Institute for Health and Care Research (NIHR).
· Alemanha – Investe em centros de pesquisa translacional integrados, como o German Center for Translational Cancer Research (DKTK), promovendo a colaboração entre ciência básica e clínica;
· China – Aumentou rapidamente seus investimentos em pesquisa translacional, com destaque para áreas como medicina regenerativa, farmacogenômica, anticorpos monoclonais e terapias avançadas, apoiadas por centros como a Academia Chinesa de Ciências Médicas;
· Países Nórdicos (Suécia, Dinamarca, Noruega) – Destacam-se pelo uso de registros de saúde nacionais, que permitem a coleta e análise de dados em larga escala, facilitando estudos clínicos e de implementação.
Considerações finais
A pesquisa translacional representa uma das abordagens mais promissoras para transformar conhecimento científico originado na ciência básica em soluções tecnológicas com aplicação na saúde proporcionando impacto direto na sociedade. Seu sucesso exige enfrentar vários desafios, incluindo:
i) integração entre vários setores (Academia, Indústria e Governo);
ii) necessidade de infraestrutura e financiamentos substanciais e de longa duração;
iii) formação de equipes multidisciplinares e capacitação de líderes e gestores para conduzir projetos;
iv) alto custo, elevado risco e tempo prolongado de execução;
v) dificuldades de translação dos estudos pré-clínicos para estudos clínicos;
vi) complexidade biológica e variabilidade humana;
vii) superação de barreiras regulatórias e burocráticas.
À medida que desafios globais continuam a surgir, fortalecer a pesquisa translacional será essencial em qualquer para oferecer respostas inovadoras no desenvolvimento de medicamentos e terapias para o tratamento de doenças raras, crônicas e infecciosas de alta prevalência na sociedade.
Referências consultadas:
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