A Aprovação dos Medicamentos Genéricos no Brasil e sua Importância para a Indústria Farmacêutica Nacional

Fabiana C. V. Giusti, PhD; Sara Tolouei, PhD e João B. Calixto, PhD

4/30/20254 min read

A principal finalidade da lei que regulamentou o registro de medicamentos genéricos no Brasil foi ampliar o acesso da população a medicamentos seguros e eficazes, ao mesmo tempo em que fortalecia a competitividade da indústria farmacêutica nacional.

Os medicamentos genéricos foram aprovados nos Estados Unidos em 1984 pelo Hatch-Waxman Act, com o objetivo de reduzir os custos para os consumidores e ampliar o acesso a tratamentos médicos. Inspirado nesse modelo, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 9.787, em 10 de fevereiro de 1999, sob a relatoria do deputado Eduardo Jorge. A regulamentação e fiscalização dos medicamentos genéricos ficaram a cargo da ANVISA, criada no mesmo ano. A agência estabeleceu critérios rigorosos, incluindo estudos de bioequivalência e biodisponibilidade, para garantir que os medicamentos genéricos tivessem o mesmo efeito terapêutico dos medicamentos de referência.

Impacto no Mercado Nacional e na Indústria Farmacêutica Brasileira

A introdução dos medicamentos genéricos no mercado brasileiro provocou transformações significativas no mercado farmacêutico nacional. Até o final dos anos 1990, o setor era amplamente dominado por empresas multinacionais que controlavam a comercialização de medicamentos de referência com preços elevados. A chegada dos genéricos estimulou as empresas nacionais a expandirem suas capacidades produtivas, investirem em tecnologia e modernizarem suas fábricas para atender aos padrões exigidos para competir nesse segmento.

Como resultado, laboratórios brasileiros passaram a desempenhar um papel central no mercado interno e a conquistar espaço no mercado internacional. A especialização na produção de medicamentos genéricos não só aumentou a relevância das empresas nacionais, mas também ajudou a reduzir os gastos do SUS e teve um impacto, ainda que modesto, na balança comercial do setor farmacêutico.

Benefícios para a Saúde Pública e para os Consumidores

Os medicamentos genéricos trouxeram benefícios expressivos para a saúde pública, especialmente ao democratizar o acesso a tratamentos para doenças crônicas, como hipertensão, diabetes e doenças cardiovasculares. O impacto foi notável no SUS, que pôde adquirir medicamentos a preços mais baixos, otimizando o uso de recursos públicos. A concorrência gerada pelos medicamentos genéricos também resultou na redução dos preços dos medicamentos de referência, ampliando o alcance dos tratamentos. De acordo com estatísticas da CMED (2022), o Brasil contava, em 2022, com 88 fabricantes de genéricos, responsáveis por mais de 2.553 registros de medicamentos e 4.576 apresentações comerciais. Em 2023, o setor gerou um faturamento próximo a R$ 17,9 bilhões, representando cerca de 65% do mercado farmacêutico nacional. Todas as dez maiores farmacêuticas no Brasil mantêm linhas de produção de genéricos, consolidando sua importância no setor.

Desafios e Perspectivas Futuras

Apesar dos avanços, a indústria farmacêutica brasileira ainda enfrenta desafios importantes. A pandemia da COVID-19 mostrou a extrema dependência do Brasil na importação de IFAs, reforçando a necessidade de uma atuação conjunta entre a indústria nacional, o governo federal e a academia para aumentar substancialmente o investimento em pesquisa e desenvolvimento. Esse esforço permitiria ao país produzir internamente medicamentos inovadores, reduzindo a dependência de medicamentos acabados e IFAs importados, o que teria impactos positivos na sustentabilidade do SUS e na balança comercial do Brasil.

Uma outra perspectiva promissora para o setor é o mercado de biossimilares, que segue uma lógica similar à dos genéricos, mas é voltado para medicamentos biológicos cujas patentes expiraram. Contudo, o desenvolvimento de biossimilares exige o domínio de tecnologias complexas e investimentos consideravelmente maiores do que os necessários para o lançamento de medicamentos genéricos.

Considerações Finais

Apesar dos avanços mencionados acima, a indústria farmacêutica nacional enfrenta desafios contínuos, que se tornaram críticos durante a pandemia da COVID-19, como a grande dependência de IFAs importados e a premente necessidade de aumentar os investimentos em PD&I. Para avançar e consolidar o setor farmacêutico, é essencial que políticas públicas de Estado e de longa duração sejam estabelecidas com urgência para incentivar a inovação tecnológica local e permitir que o Brasil produza localmente tanto IFAs quanto medicamentos inovadores, importantíssimos para garantir o acesso da população e também para a sustentabilidade do SUS a longo prazo. A aprovação dos medicamentos genéricos foi, sem dúvida, uma das políticas públicas mais bem-sucedidas do país, ampliando o acesso a medicamentos e fortalecendo a indústria farmacêutica nacional. Contudo, essa política também levou a uma certa acomodação por parte de algumas empresas, que, apesar do apoio financeiro expressivo do BNDES e da FINEP, não avançaram significativamente em inovação tecnológica radical nas últimas três décadas. Enquanto outros países, como a Coreia, China e Índia, realizaram grandes avanços tecnológicos, o Brasil não conseguiu evoluir nas áreas de PD&I em medicamentos e vacinas.

Embora o Brasil tenha um sistema de pós-graduação moderno e seja um dos maiores produtores de artigos científicos na área da saúde, o país ainda não conseguiu transformar esse conhecimento em inovação tecnológica aplicável ao setor farmacêutico.

Referencias bibliográficas consultadas

https://site.cff.org.br/noticia/noticias-do-cff/09/02/2024/medicamentos-genericos-25-anos-da-lei-que-revolucionou-a-saude

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9787.htm

https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/medicamentos/genericos

https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/1999/res0391_09_08_1999.html

https://www.camara.leg.br/radio/programas/555529-genericos-origem-e-questoes-legais/